sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

Os Homúnculos



A tradição de construção de servos artificiais, criaturas híbridas, participantes do reino vetegal-animal é muito antiga. Na América Latina a única referência literária sobre seu uso é do cubano Alejo Carpentier na sua novela Reino desse Mundo, obra que relata o reino mítico de Henri Cristophe, no Haiti, que construiu seu palácio com tijolos embebidos em sangue de touros negros.

Para criar um desses servos, comprei as sementes de um chinês abjeto, cuja loja recendia a mofo adocicado, comerciante de artigos raros, ele mesmo não sabia para que servia aquelas sementes, o que me deixou satisfeito, pois se soubesse além de tornar o preço delas exorbitantes as colocaria na sua galeria de objetos para consumo especial que incluía fetos de todas as espécies, inclusive humanos.

Plantei uma das sementes no período certo de acordo com a lua e a posição de determinados planetas, não vou revelar aqui a receita completa, pois aqueles que tiverem interesse em criar um servo assim, terão que procurá-la como procurei.

Três meses era o tempo que ela levaria para brotar, crescer e ser colhida. Da colheita posso falar um pouco, pois essa também é citada no livro de Carpentier.

Ainda em seu estado vegetal o futuro servo não pode ser retirado da terra por mãos humanas, pois mataria aquele que fizesse a colheita. Ela só pode ser colhida por um cão. É importante que o cão seja forte. Precisamos prender bem a planta com um corda e amarrá-la no pescoço do animal, esse, precisa ser espancado e ao correr, caí morto e arranca a planta que sai da terra com um pequeno grito.

Deve-se lavá-la imediatamente e envolvê-la com um pano verde e colocá-la para dormir durante três semanas em uma pequena caixa de cedro, com tampa, de no máximo dezoito centímetros de largura, por dez centímetros de profundidade, ou seja, pouco maior que o Homúnculo.

Esse, que já está adulto, mede, em torno, de dezesseis centímetros de altura e deve ser batizado (força de expressão), pois não existe cerimônia nenhuma para isso, basta dar um nome a ele para que ele, ao acordar, saiba seu nome, assim como o de seu dono e senhor.

Ele deve ser alimentado com pedaços de folhas, sementes, pedaços de frutas, coisas que se daria a um pássaro de tamanho médio, jamais alimento de origem animal.
Para que eles servem? Para dar respostas sobre os aspectos da vida de seu dono. São oráculos perfeitos, respondem com a voz grave a qualquer questão proposta desde que seja de formulação simples. Ficam aborrecidos se são interrompidos em seu sono (dormem muito) com perguntas cuja formulação é complexa, adoram perguntas cuja resposta seja ou um sim ou um não.
Podem viver muito, desde que bem tratados e estejam sozinhos...
Descobri que era assim, depois que fiquei com pena do ar triste do Senhor Robert, esse era o nome que dei a ele, quando o vi o sentado na beira da caixa onde residia e me pareceu que estava sofrendo de uma terrível solidão. Resolvi plantar uma companheira para ele. Nunca imaginei que estivesse cometendo um erro.
Vou abreviar o período de plantio até o dia que a nova criatura acordou em sua caixinha no meu armário, ao lado do Senhor Robert, eu havia lhe dado o nome de Senhor Knop e colocara nele uma pequena coleira de metal para diferenciá-lo do outro, pois eram exatamente iguais. Foi também quando percebi que não havia seres do sexo feminino nessa espécie de criatura. Porque são apenas da espécie masculina também não sei. Acredito que como são seres artificiais não necessitam se reproduzir Mas a curiosidade em saber qual seria o resultado daquele encontro me instigou a continuar a experiência.
Antes não tivesse feito.
No momento que se viram os dois se odiaram e começaram a brigar. Primeiro foi comigo, e foi a vez deles me perguntar, e perguntaram quase simultaneamente, se eu já tinha um porque queria dois. Não adiantou explicar que esperava que um fizesse companhia a o outro que eles não entenderam ao que eu dizia e se agarraram a socos, caíram da prateleira e vieram rolando pelo chão, correram pela sala e entraram na cozinha, no início, achei engraçado duas criaturas minúsculas, barbudas, do tamanho de dois pepinos,brigando pela casa. Mas comecei a ver que era sério quando um deles pulou para dentro da caixa de talheres, pegou uma faca e partiu em direção ao outro disposto a matá-lo. Consegui intervir a tempo e desarmá-lo.
A solução que encontrei, foi encerrar o Senhor Knop em uma gaiola vazia e levar o Senhor Robert, esperneando, para a sua caixa, repreendendo sua atitude e exigindo dele um pouco mais de juízo que o outro, já que era o mais velho. Mas ele estava furioso e reclamava numa língua que deve ser falada no reino subterrâneo das plantas-animais, que eu não entendia nada, mas pela veemência sabia que ele queria acabar com Senhor Knop.
Depositei-o em sua caixa, e a muito custo consegui fechá-la colocando um pequeno peso em cima sob os protestos dele naquela língua estranha, que tinha um tom de umidade. Acreditei que com pouco de sono faria com que ele recuperasse o bom senso e aprendesse a tolerar a outra criatura, afinal eu o criara para que não ficasse sozinho.
Depois do tumulto a tranquilidade voltou na casa e fui fazer o que tinha que fazer, sem pensar mais na dupla de homúnculos brigões.
Pois eu estava enganado se imaginava que houvesse a possibilidade de trégua entre eles.
Acordei de madrugada com o ruído de vários objetos quebrando, aparelhos ligados, demorei a identificar de onde provinha o ruído, era da minha cozinha. Vesti o roupão, achinelei os sapatos e corri até lá.
A desordem era completa, havia várias coisas espalhadas pelo chão, copos quebrados, xícaras espalhadas, panos, alguns aparelhos elétricos ligados, incluindo o moedor de carne. E, foi ali, no moedor que vi os dois, ainda para fora dele, aos socos, tentando empurrar um ao outro para baixo.
Tentei agarrá-los, mas eles gritaram que não me metesse não os obedeci, e tentei puxar o Senhor Robert para fora, não consegui, ele estava preso no êmbolo que o arrastava junto com o outro, tentei desligar o aparelho e não houve maneira. Fui atrás da tomada, mas quando a encontrei ouvi um gemido e um ruído de coisas esmagando, voltei para a máquina e ainda vi o rosto barbado do Senhor Knop rindo e sumindo dentro do aparelho. Na ponta do moedor começaram a sair os pedaços do vegetal que há poucos instantes atrás era o Senhor Robert e logo a seguir Senhor Knop.
Não havia o que fazer a não ser esperar o moedor terminar o seu serviço, recolher aquela pasta gelatinosa que saia dos furos e jogar fora no lixo orgânico.

Nenhum comentário: