domingo, 10 de janeiro de 2010

Insônia



      “Vizinho são três hora da manhã e ouvi música em tua casa. Aqui estou”. E o outro respondesse:”Entra   vizinho. E come do meu pão e bebe do meu vinho. Aqui estamos cantar e a bailar, pois descobrimos que vida é curta e a lua é bela”.  Rubem Braga- Recado ao senhor 903


Você descobre que não mora sozinho quando mais um vez a insônia o assalta e ouve no apartamento acima do seu o som de um sapato de salto alto andando sem direção definida. Três horas da madrugada, alguém arrasta um objeto que ringe, jogam bolinhas pelo chão que percorrem todo o apartamento, e você sozinho na cama acompanha os trajeto daquelas bolas percorrendo o assoalho acima de sua cabeça.

"É demais” - você pensa- hoje não vou aguentar isso, vou lá descobrir quem está morando nesse apartamento e que não respeita o horário de silêncio do prédio".

“Vou dizer a eles: -Tem alguém no andar de baixo tentando dormir e não consegue, de tanta coisa que vocês arrastam, atiram, batem nas paredes, jogam no chão”.
 Queixar-se ao omisso do síndico não vai adiantar nada, é melhor ir, na hora, reclamar, pode ser que assim aprendem a respeitar os vizinhos...

E você se pergunta: “-Quem será esta gente que está morando lá?

Você não sabia que o apartamento havia sido alugado, depois do sumiço dos antigos moradores. “Não pára ninguém nesse apartamento está sempre para alugar, vender”, o dono lhe disse certa vez que queria se desfazer dele por qualquer preço. Você nem perguntou porque, o assunto não lhe interessava.

“Agora é um assunto meu! Chega de preguiça! E, essa insônia... troca de roupa e vai lá em cima, reclamar! ” - você ordena a si mesmo.

Em poucos minutos está vestido, olha no espelho, ajeita o cabelo, e parece que o barulho aumentou, parece que estão fazendo uma festa, uma festa! Uma festa! As três da manhã! Será que você é único nesse prédio a notar esse desrespeito?

-Vai acabar agora!- diz você pra você, subindo as escadas.

Bate na porta repetindo em voz baixa o que vai dizer:

-Será que poderiam  fazer um pouco menos de barulho... tem gente...

Mas não consegue concluir o que ia falar, a porta se abre e uma mulher lindíssima vestida com roupas íntimas, usando saltos altos, fala com você com voz mais suave e sedutora que você já ouviu:

-Oi vizinho, que bom que veio para nossa festa, estávamos o esperando, não quer entrar?

O convite era non sense puro. Você tinha certeza que não era sonho porque sofria de insônia e, nesses casos, sente-se todo o peso do corpo revirando na cama, o lençol que gruda, arranha, o travesseiro que fica alto,que fica baixo e baixo fica alto, respira mal, os olhos doem, mas mesmo assim, não consegue fechá-los.

Mas não foi o convite dela que o deixou maluco, foi olhar para dentro do apartamento, uma montanha de coisas atiradas por todos os lados, pareciam roupas, lixo acumulado e aquelas pessoas dançando, caminhando no meio daquilo como se não os incomodasse.

Sem ação você olha para ela como se os olhos dela pudessem explicar o significado dos dançarinos bêbados, tontos,  aquela hora da manhã. E os olhos dela  e a boca reproduzem o convite. Na sala,  um dos vizinhos que  havia sumido, dançava desajeitamente, parecia um boneco enfiado numa roupa errada, mal ajustada.

-Não, grato - foi o que você consegue balbuciar- estou com sono, será que podia baixar a música?

-Quando quiser aparecer, a festa continua sempre, a qualquer hora! - voltou a falar a mulher - com aquela sua voz suave e sedutora- nós gostamos dos vizinhos.

E você vira-se, contorcendo todo o corpo e pula os degraus da escada em direção ao seu apartamento. Nem fica para olhar ou para saber se a mulher fechou a porta atrás de si. Por muito pouco você quase cedera ao convite.

Há convites que não devem ser aceitos.

Você deita outra vez na cama depois de certificar, várias vezes, que porta da rua estava bem trancada.

Sem conseguir dormir você continua acompanhando com os olhos no teto os movimentos de cadeiras, pés rápidos, pedaços de coisas caindo no chão, algumas batidas secas, de madeira e metal, outras batidas abafadas, como corpos tombando, e as bolinhas cruzando todo apartamento, risadas que pareciam ser dadas junto ao piso, apenas para você ouvir, batidas de copos, batidas de copos, batidas de copos e música, muita música, mas música que você não conhece.

Então, espera com ansiedade o dia amanhecer e a imobiliária abrir  para entregar as chaves do seu apartamento. Sairia no mesmo dia, não passaria mais um noite de insônia com aquela festa de espectros em cima da sua cabeça.

Por curiosidade, pergunta ao funcionário sobre o apartamento acima do seu.

-Ainda está para alugar. Ninguém fica lá muito tempo-responde ele com indiferença.

-Não sei, mas me parece o contrário.

-O quê?

-Não, nada, acho que ando meio cansado, tenho dormido pouco, vou sair de férias.

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