segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

Juventude


 Alguns anos de pesquisa, nas suas mãos, naquele pequeno frasco. Ela olhou pela janela do laboratório e lembrou dos percalços para conseguir chegar até aquele pequeno frasco. Gastos, riscos que sofrera, como aquela quase denúncia de uma funcionária que a flagrara tirando líquido, sem autorização, da espinha de uma paciente. E agora o frasco na sua mão anunciara o que ela tanto buscava, a juventude eterna!
Não havia erros, testara aquilo exaustivamente e, em segredo, em animais de várias espécies,em desconhecidos que não sabiam que eram objetos de testes, nada, nenhuma contra-indicação, perfeito. O frasco continha a paralisação da decadência, a beleza perene.
Ela sabia que as perguntas seriam inevitáveis: -Como você consegue manter essa aparência, sempre fresca, suave e, essa pele? Sem rugas, sem marcas de expressão, não tem marcas no pescoço, mãos, joelhos? Tem pintado o cabelo? Parece ter trinta anos, qual é a sua idade mesmo? E as respostas de tão repetitivas com o tempo, e a questão toda era o tempo, se esgotariam:
“Tenho alimentação equilibrada, faço muitos exercícios, me cuido, uso uma infinidade de cremes”.
E quando as respostas esgotassem sabia que a aguardava a inveja, depois o medo e depois a raiva, ninguém tolera ou aceita muito bem a beleza nos outros e acredita que a merecem da mesma forma, e a querem ter para si como se fosse simples tirar ou pegar algo imaterial de um lugar e colocar em outro, quando não em si, entre seus pertences. E, quando não conseguem, costumam destruir aquilo que não podem obter ou não entendem, principalmente a beleza duradoura.
Ela teria que sair dali, começar nova vida, esquecer os parentes, amigas, amigos, e os documentos? O que fazer com os documentos? Teria que adquirir uma nova identidade. Deixaria de ser a mesma pessoa para se tornar outra. Ser outra pessoa, viver outra realidade que felicidade lhe traria?As incógnitas de sobrepunham.
“Você não é feliz, como é? Seria feliz sendo outra pessoa?”
Ela se perguntou e não soube responder..
Estamos tão acostumados na infelicidade que quando nos descobrimos felizes, estranhamos, vivemos melhor dentro da dor, das dificuldades, das angústias, das ausências, do que fora delas. Estamos sempre separados, divididos, incompletos, faltando alguma coisa.
Ela sabia que todas as contradições eram sombras aparentes e tinham o propósito bem definido de acentuar a existência da beleza e da felicidade, mas compreender isso não significava apreender isso, e ela agora tinha em suas mãos, o remédio, a solução. Ela sabia que havia conseguido. Mas não poderia fugir de pagar o preço pela conquista, que era irrisório se comparado com qualquer outro objeto, coisa ou desejo, material ou imaterial que um dia pudesse ter.
A busca da beleza, da juventude eterna parecia ter sido uma constante na humanidade, a arte, as aspirações dessa busca pareciam se consagrar como um desejo sempre presente na história, mas a conquista não se fizera materialmente a não ser através de um quadro, uma pintura, uma estátua, um personagem, um filme, uma foto.
Mas essas fórmulas de perpetuação eram falsas, com o tempo, o monstro da velhice não estaria estampado na imagem, como em Dorian Grey, ao contrário, estaria no modelo, vencido pelo avanço dos dias que o distanciaria daquela imagem original de tal forma que esta se tornaria irreconhecível. Monstros do que foram um dia, caricaturas mal feitas de si mesmo, aquilo, mais que qualquer outra coisa, a assustava, aterrorizava.
Ela sabia se deixasse, como ficaria velha, onde começaria a decadência. O que existe de bom na velhice?Para quem vive e para outros?
Rejeição, abandono, limitação, numa sociedade que cultiva, monta e vende seus padrões de beleza na juventude, ser velho é não ser amado, querido.Tolerado, se consegue pagar para ser.
Agora ela possuía a capacidade de vencer o tempo. Ela sabia se ela bebesse aquele pouco líquido não haveria retorno, manteria a mesma aparência por anos a fio. Havia pensando no assunto milhares de vezes durante toda a pesquisa.
E, agora, chegara a hora, o minuto, o segundo, a decisão.
Depois de alguns instantes ela abriu a porta do cofre e tornou a guardar o tubo que tinha nas mãos, talvez outro dia, afinal, o tempo para ela era infinito.

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